quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Em vídeo, militares agridem líder quilombola que pediu ajuda a Dilma

Andréia Sadi e Felipe Coutinho*

Oficiais da Marinha foram flagrados em  vídeo agredindo uma líder quilombola que havia alertado meses antes a presidente Dilma Rousseff sobre o clima de tensão entre os militares e os moradores da comunidade, na Bahia.

A Folha teve acesso às imagens, usadas no inquérito para investigar se houve abuso dos militares durante o episódio, ocorrido em 6 de janeiro. O vídeo mostra os irmãos Rosimeire e Edinei dos Santos dentro de um carro, quando chegam na área da Marinha que dá acesso à comunidade quilombola, na região de Rio dos Macacos, próxima a Salvador.

Eles ficam oito segundos parados, quando o oficial já chega com o dedo em riste e começa então uma discussão. O celular de Rosimeire é arremessado para longe. O militar está, desde o início, visivelmente agressivo – o que denota que a briga era iminente e a tensão já vinha de outros episódios.

Na discussão, a líder quilombola Rosimeire dos Santos desce do carro para apartar o militar que discutia com seu irmão, quando então é afastada e jogada ao chão. Num determinado momento do bate-boca, o militar saca uma arma. Depois, ela é jogada ao chão mais uma vez. Dois oficiais tentam amarrar as mãos de Rosimeire. Ela acaba sendo empurrada em direção ao carro.

As duas filhas de Rosimeire, de 17 e seis anos de idade, presenciaram a cena. Pelo menos seis militares estavam no local. Os quatro que abordaram os irmãos foram afastados de suas funções.

O episódio todo durou cerca de dez minutos. A briga aconteceu duas horas depois de uma primeira discussão, quando os irmãos saíam da comunidade. Os militares viram como uma provocação a demora que os irmãos levaram para sair do portão. "Eles disseram 'você vai, mas quando voltar te dou o troco'", afirmou Rosimeire à Folha.

À época da briga, a Marinha chegou a divulgar que os militares deram voz de prisão em razão de "ameaças proferidas por Edinei e do comportamento violento de Rosimeire". A Marinha havia dito ainda que Rosimeire tentou tomar a arma do militar. Os irmãos negaram. Numa segunda nota, a Marinha disse dias depois que repudiava atos de violência.

Tensão
A briga é fruto do clima de tensão entre militares e quilombolas. Para entrar e sair da comunidade, é preciso passar pela área da Marinha. Dias antes, um portão interno havia sido aberto pelos quilombolas.

Essa situação não é novidade para o governo. Três meses antes, a mesma Rosimeire entregou uma carta pessoalmente à presidente Dilma Rousseff, relatando os problemas. "A todo momento avisei a Dilma [sobre a tensão]", disse Rosimeire à Folha.

À época, a Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) chegou a divulgar nota na qual disse que "a presidente se compromete em atender as reivindicações" dos moradores da região.

Inquérito
A Marinha abriu inquérito para investigar o caso. O chefe de gabinete do ministro Celso Amorim (Defesa), Antônio Lessa, é um dos interlocutores do governo para discutir com moradores e militares uma solução. "O Ministério da Defesa e a Marinha lamentam profundamente o que aconteceu e não referendam nenhum ato de violência. Foi um evento tópico que aconteceu por uma tensão latente entre a comunidade da vila naval e a quilombola", disse Lessa à reportagem.

Lessa diz que as reclamações são mútuas. "Mesmo as famílias residentes têm que parar no portão, sair do carro e se identificar. Isso não se coaduna com a liberdade de ir e vir que os civis têm para ir para casa. Os militares reclamam da não atenção desses procedimentos. É uma incompatibilidade, é o civil que vive dentro de uma organização militar. De um lado, militares reclamam dessa falta de compromisso e o civil vê isso como uma restrição da liberdade de ir e vir. E aí vão crescendo as tensões", explicou.

As imagens do ocorrido estão sendo analisadas também pelo Ministério Público Militar, na Bahia. São quase duzentas horas de vídeo, em 14 câmeras. "[As imagens] mostram, em momentos diversos, um veículo obstruindo a entrada da Base e, horas depois, a agressão sofrida pela líder comunitária e por seu irmão", diz a nota da procuradoria.

A procuradoria afirma ainda que os militares também relataram problemas em relação aos quilombolas. "A procuradoria também foi procurada por moradores da Vila Militar, que relataram ameaças e provocações da comunidade, inclusive com vários episódios de fechamento do acesso à Vila, até em horário escolar".

Em comum, procuradoria, quilombolas e governo federal dizem que uma das soluções para resolver a tensão é a construção de uma nova estrada, para que os moradores não precisem atravessar a área da Marinha.

Há ainda um conjunto de reformas e reparos em casas na comunidade quilombola com risco de desabamento. O Ministério da Defesa já reservou R$ 500 mil para o projeto. A nova estrada e essas reformas devem ser realizadas ainda neste semestre

Fonte: Folha
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